Eu tinha criado a comunidade “Lennon/McCartney”. Você “Beatles Forever”. Trocamos scraps. Você mandou a tradução de “While my guitar gently weeps”. Respondi com “I want to hold your hand”. Você deixou um depô fofinho que misturava frases suas com letras escritas em garagens em Liverpool. Apaixonei. Trocamos MSN’s. Te chamei em CAPS LOCK: “OIEEEEEEEEEEEE”. Você respondeu com uma pergunta: “Ouve Beatles desde quando?” Respondi que desde sempre. Você mandou um “S2” bem lindo e disse que também ouvia.
Perguntou o que mais eu curtia. Fiz uma lista que incluía Raul, Elvis, Chuck Berry, Guns, Rolling Stones e Madonna; você riu e entendeu a ironia. Falamos sobre a complexidade das letras e de como o rock havia mudado tanto. Falamos sobre os acústicos da MTV, sobre clipes novos, all stars novos, camisetas descoladas, pulseiras, shows que queríamos ir…
Eu nem percebi e já tava apaixonado. Os fóruns no Orkut só tinham graça com você. “Come together”, “Oh darling”… Lembro que decorei tua rotina, teus horários… Você virou minha confidente, minha saudade diária. Falamos em nos ver; mas você era do Mato Grosso – nem lembro o nome da cidade – e eu do Pará. Traçamos roteiros de viagens, arquitetamos esquemas mirabolantes para encontros que jamais aconteceriam. Transamos por telefone todos os dias durante meses. A conta telefônica era altíssima, mas você era melhor que qualquer disk-sexo.
Dissemos “te amo” por volta do mês de agosto. Aí já nem era mais tesão ou afinidade cultural. Era amor, desespero. Colocamos “namorando” no Orkut.
O tempo passou e eu percebi uma tristeza tomando conta da tua voz. À época, você tinha 16 anos, minha idade. Falou que tinha ido em Sampa e odiado o cinza daquele lugar. Falou sobre brigas entre os pais e a possibilidade de ter que morar no lugar que tinha odiado.
Fui percebendo que você estava sumida do Orkut. Pouco interagia nas comunidades – que estavam cada vez maiores e só aparecia à noite pra me dar olá.
Um dia, quando conversávamos, você começou a me fazer perguntas estranhas sobre as constelações, estados da matéria, furos na trama do espaço-tempo, multiverso, migração de espíritos e consciência. Achei estranho e ri. Você riu sem graça.
Fico pensando, mesmo 10 anos depois, sobre o que pode ter passado na sua cabeça minutos antes de você se matar. Qual canção dos Beatles marejou seus olhos pela última vez? Você não deixou bilhetes, não deixou recados… Foi só o silêncio. Ainda penso em tudo o que eu poderia ter te dito pra evitar essa tragédia.
Ainda te vasculho na internet, sabia? Chorei quando apagaram o Orkut, pois ver as tuas comunidades, os fóruns em que você debatia sobre a mentira que o rock se tornara, os scraps deixados, os depoimentos não aceitos, era como matar a saudade. Agora não sobrou nada. Você nem viveu tempo suficiente pra ver o Facebook, o Instagram, o Whatsapp e as promoções aéreas inacreditáveis. Viu, fosse hoje em dia eu já teria dado um jeito de ir te ver.
Tô com saudade do Orkut, mas a saudade de verdade é de você. De tempos mais felizes, de vidas mais simples, de universos alternativos em que você nunca foi triste, que nunca se matou. Passei a crer na beleza de milhões de existências paralelas por tua causa e compreendi que em algum universo, em algum lugar, você vive bem e sã. Em algum lugar, entre milhões de universos, você se tornou a vocalista de uma banda de rock e é sucesso em todo o planeta.
Eu preciso acreditar. “Hey Jude”, tenta furar a trama do espaço-tempo, fugir das incertezas de universos paralelos e voltar pra cá. Mas sei que é impossível. A nossa distância, tal qual o paradoxo da ponte aérea PA – MT, foi feita pra ser sempre assim: inquebrável, eterna, irredutível. Darling, te escrevi porque a saudade ainda é grande e porque eu preciso provar pra mim que você existiu.
In my life, I love you more.